Friday, November 30, 2007

Orientadora vai à polícia contra aluna de 9 anos

Assustador não é? Pois então, esta foi a notícia publicada na Folha de São Paulo ontem, 29 de novembro de 2007. Hoje, podemos encontrá-la em diversos sites, entre eles no Consultor Jurídico.

Segundo noticias uma orientadora educacional de Niterói/RJ recebeu pelo “fale conosco” do site da escola em que trabalha, uma mensagem que a teria chamado de “Vagabunda”. A orientadora através de sua advogada procurou a delegacia de proteção a criança e ao adolescente. No entanto ao tentar intimar a criança o delegado descobriu que a mesma tinha apenas 9 anos, sendo que por imposição legal para uma investigação da própria delegacia é preciso que o menor infrator tenha a partir de 12 anos completos.

A Delegacia diz ainda que o delegado vai investigar se a criança sofreu algum tipo de constrangimento pela escola ou pela orientadora. Os pais alegam não saber se o email de fato foi enviado pela aluna e pretendem ingressar com ação contra a escola, considerando-a co-responsável, por fornecer os dados da menor à orientadora.

Meu comentário sobre o ocorrido:

Em primeiro lugar este exemplo verídico traz a tona uma questão inerente ao uso da internet que é a autoria. Os pais já apontaram que não sabem se foi a filha quem enviou o email. Neste sentido algumas observações deverão ser levantadas, como por exemplo, o IP da máquina de origem, ou seja a identificação do computador que enviou a mensagem. Se a identificação levar à máquina utilizada em sua própria casa então alegarem que não foi a criança, os próximos suspeitos serão seus pais ou seus irmão se for o caso.

Mas independente disso outras questões relevantes merecem consideração, como por exemplo, que é possível tomar medidas judiciais sim, mesmo tratando-se de infração por menor de 18 anos e neste caso em questão, por menor de 12 anos.

Ocorre que nossa legislação baseia-se nos direitos próprios e especiais das crianças e dos adolescentes considerando a necessidade de proteção diferenciada. Temos em nosso ordenamento jurídico o Estatuto da Criança e do Adolescente que versa especificamente sobre a proteção dos menores de 18 anos. Tal dispositivo, considera como “Infração Penal” os atos ilícitos (sejam crimes ou contravenção penal) quando cometidos por menores de 18 anos, portanto, um ilícito penal tipificado no Código Penal como crime de furto, se cometido por menor de 18 anos é infração penal. Isto não quer dizer que o menor não sofrerá nenhuma conseqüência.

Na verdade ao invés de sofrer uma punição aquele que tiver 12 anos até completar os 18 anos, sofrerá “Medidas Sócio Educativas”, que podem variar de: Advertência, Prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semi-liberdade e a internação. Já o infrator com menos de 12 anos deve ser encaminhado ao conselho tutelar e ficará sujeito às “Medidas de Proteção”, que podem variar de encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade, inclusão em programa oficial ou comunitário, entre outros.

A criança, considerada então pelo ECA a pessoa até os 12 anos, não sofrem processos e punições igual aos dos adultos. Conforme exposição de Wilson Donizeti Liberati, “o tratamento começa com a apreensão pela polícia que deve conduzi-la ao conselho tutelar ou à autoridade judiciária que fará juízo de valor sobre o ato praticado e aplicará uma das medidas protetivas.”

Não deve portanto, ser encaminhada a delegacia de polícia, pois a mesma não tem competência para investigar e apurar as provas do ato criminoso praticado por criança ( menores de 12 anos).
É importante entender que a máquina jurídica é o meio para fazer nosso direito, mas se não utilizarmos de forma correta pode se voltar contra nós. Aparentemente neste caso específico tudo indica que a orientadora teve seu direito violado, uma vez que foi ofendida e existem provas, pois no meio digital tudo deixam vestígios. No entanto é preciso saber por onde fazer valer o seu direito. Neste caso pelo Conselho Tutelar que é um órgão autônomo e não precisa de ordem judicial para decidir e aplicar as medidas protetivas.

Ainda falando em responsabilidade, não podemos esquecer que o Código Civil estabeleceu a responsabilidade subsidiária ou secundária do incapaz, pois os responsáveis imediatos pela reparação serão os pais, tutores ou curadores. Resultando portanto, da conduta do incapaz algum dano, seja ele material ou moral, seu responsável legal deverá arcar com os prejuízos.

Muito mais do que a questão jurídica é a questão EDUCACIONAL.

Falo como advogada e também como pedagoga e tenho que bater na tecla de que não é com processos judiciais que vamos resolver essa questão. Além de sobrecarregar o judiciário se todos que receberem um email ou mensagens em fóruns processarem seu desafeto, não teremos uma mudança de cultura. Amenas um remédio imediato para ações isoladas.

É preciso trabalhar a questão ética e legal de forma a conscientizar alunos, pais, professores e todos os colaboradores educacionais, só assim criaremos uma cultura estruturada de bem estar e boa convivência. Infelizmente, as pessoas se esquecem que a educação não ocorre apenas em um local, não é só em casa, só na escola, mas sim em todos os lugares e em todos os momentos. Os exemplos de familiares, de amigos, de professores e também da própria mídia são acatados e processados pelas crianças e acabam crescendo achando que é normal.

Temos que buscar formas de integrar e educar para o bom convívio em sociedade, seja ele presencial ou virtual. Costumo dizer em minhas palestras para educadores que as crianças estão se desenvolvendo cada vez mais rápido, o que engloba... competências e habilidades em diversas áreas. Saber o que é certo e o que é errado não é difícil se for ensinado e principalmente se tiver bons exemplos. O que tento dizer é que se mostrarmos aos alunos quais são os riscos de seus atos, eles são espertos o bastante não apenas para entender, mas para analisar se vale a pena correr o risco de praticar uma conduta que poderá acarretar problemas para sua vida e a de seus pais.

As ações de conscientização por palestras, cartilhas e posteriormente ações continuadas como inserção de currículo específico traz benefícios que poucos notaram. Posso citar dois exemplos essenciais:

Cumprir o papel educacional preparando o educando para a vida em sociedade e
Prevenir responsabilidade legal pelo uso das mídias digitais por alunos, professores e qualquer usuário que tenha acesso aos recursos disponibilizados.

É lógico que não se limita a estes, mas ações que abranjam o caráter educacional, social e legal.
Por outro lado volto a lembrar a questão de responsabilidade dos pais, não é a toa que a legislação chama como primeiro instituto a família quando fala em direitos fundamentais, ou seja, é dever de todos e principalmente dos pais, zelar pela educação, proteção, recreação, saúde,... de seus filhos. Portanto deve os pais orientar seus filhos e não incentivar práticas ofensivas.

Enfim, é uma situação muito delicada, pois ambos os lados podem sair com feridas e sempre custam a cicatrizar. Volto a dizer que a melhor saída não é “processar” ou tomar qualquer outra medida judicial, embora a legislação assim permita, mas sim trabalhar a educação e para isso precisamos também pensar na capacitação dos profissionais para trabalharem esses assuntos em sala de aula.

O que as escolas devem fazer?

Normas claras e ações de conscientização sobre responsabilidade legal. Por enquanto vejo como a melhor solução. É preciso ter uma Política de Segurança da Informação que traça as diretrizes para o uso dos recursos tecnológicos a fim de evitar incidentes e mau uso da ferramenta, bem como código de conduta do aluno e contratos, seja de trabalho ou de matrícula, atualizados com os novos parâmetros da sociedade digital. O código de conduta deve ainda trazer as punições pedagógicas para casos como ofensas ao professor e exemplificar a utilização de emails, entre outros.

Mas um alerta, para que surtam efeitos, não basta o documento jurídico, é preciso levar ao conhecimento, conscientizar, mostrar que todos sofrem conseqüências quando não respeitamos os direitos do próximo.

Cristina Moraes Sleiman

2 Comments:

At 4:12 PM, Blogger Antonio B Duarte Jr said...

Gosto muito dos artigos de ótima qualidade do seu Blog. Quando for possível dá uma passadinha para ver meu Curso de Informática à Distância

 
At 8:59 AM, Blogger Cláudia said...

Olá, tudo bem? E o que fazer quando após inúmeros encaminhamentos à Secretaria de Educação, Conselho Tutelar e Promotoria Pública o adolescente permanece em sala de aula (o que lhe é de direito) continuar a ofender o grupo de professores que lhe ministra aulas com palavras de baixo escalão muito piores que este post???
Um abraço, Cláudia - professora.

 

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